Manifesto pela liberdade de expressão
Graffiti é arte! Não à censura!
“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”(art. 5º, IX, CF/88) Assim diz a Constituição Federal do Brasil. Essa frase tão clara da nossa lei maior foi ignorada em Araçatuba, em episódio recente envolvendo o “olhar crítico e preocupado” de um único promotor de justiça e a destruição de trabalhos artísticos. Diante do caso, devemos refletir: estaríamos realmente livres da censura? Podemos nos expressar sem que nos restrinjam esse direito?
Vamos ao caso. No dia 30 de outubro um jornal local publicou matéria em que o promotor da infância e da juventude de Araçatuba, Lindson Gimenes de Almeida, instaurou Inquérito Civil para investigar uma suposta apologia às drogas, violência e sexo, em desenhos feitos por grafiteiros da cidade nos muros de duas escolas. Como qualquer obra de arte, o graffiti está sujeito a interpretações diversas, de acordo com a visão de mundo de quem observa a gravura. Numa das escolas, o membro do ministério público viu detalhes de toda a composição e considerou que nela havia desenhos que faziam referência a órgãos sexuais masculinos.
Há quem diga que um pênis não se parece tanto com o que está na parede, mas essa é naturalmente uma interpretação subjetiva, o que evidencia ainda mais que graffiti é arte. Quem passou pelo local e admirou o todo, talvez nem tenha prestado atenção nesse detalhe subversivo, porque sabe que na TV ou na Internet há conteúdos muito mais “depravados”, muito mais ofensivos. Cada pessoa tem sua visão de mundo e repara no que lhe convém. Quem vê uma obra de arte pode imaginar o que quiser.
Na outra escola, a acusação é de que há mensagem subliminar de apologia à violência e às drogas. Se verificarmos a lei 11.343/06, que trata da apologia, veremos que os grafiteiros na ocasião não cometeram crime algum, pois o que não é permitido é “induzir, instigar ou auxiliar” alguém ao uso indevido de drogas. Os verbos do tipo penal indicam convencimento. Se uma pessoa desenhar uma planta de maconha como manifestação do seu pensamento ou da sua expressividade artística - o que é permitido por lei -, mas não disser "use isso" ou "isso é bom", não configura crime de jeito nenhum.
Ao analisar os desenhos do muro, o membro do Ministério Público – que não é crítico de arte e adora fazer correlações – diz que um cavalo alado desenhado faria alusão ao ácido LSD, droga popular nos anos 70. Conforme afirmou um dos participantes da grafitagem, em matéria publicada nesta semana, o animal fazia referência à mitologia grega. O “subversivo cavalo” foi desenhado por um dos mais renomados artistas araçatubenses, Massato Ito. Para quem não o conhece, é o mesmo que criou o Monumento ao Estudante, na Praça Getúlio Vargas, um dos cartões postais da cidade.
Por sinal, a estátua está nua... devemos concluir então que nosso artista plástico é reincidente. Seria o caso de censurar o monumento também? Mas, voltemos ao caso. O artista desenhou um belo cavalo nas paredes da escola, se dedicou ao máximo aos traços, às cores... e vem um promotor e diz que aquela beleza feita com tanta dedicação pode ter sido um crime!
Arte não é crime.
Expressar-se é direito de todos.
Inclusive, qualquer pessoa pode ver numa obra de arte alguma coisa que ela não traga, mas que, pela grande força imaginativa do observador, aparece como que por encanto.
Essa talvez seja uma das belezas da arte, o que a diferencia das demais formas de expressão. Além de ela trazer ao mundo noções de grandeza e de dignidade. O grafite é bem isso. Manifestação de arte que encanta as pessoas, que traz cor ao mundo, luz às trevas. E pensar que a diretora de uma das escolas, em consenso com a comunidade escolar e levada pela atitude do promotor, apagou todos os desenhos do muro, num ato de censura e atentado à manifestação artística, semelhante ao que ocorria nos tempos de Ditadura Militar. Se acreditarmos que o melhor caminho é sempre o do diálogo, por que os “críticos da arte” não procuraram, antes, dialogar com os grafiteiros?
Para mais reforçarmos o que aqui manifestamos, convém trazer o trecho de um parecer da Advocacia Geral da União de 2009, em que defende a liberdade de expressão: “Há uma diferença fundamental entre pretender que alguém faça uso indevido de drogas, induzindo-o, instigando-o ou auxiliando-o -- o que é um fato criminoso —, e emitir uma opinião, estando essa última compreendida no exercício de crítica que concretiza o postulado da liberdade de expressão". O mesmo vale para o que está expresso nas gravuras que sugeririam violência e sexo.
Não houve, com os grafites pintados nas duas escolas, nenhuma intenção de induzir quem quer seja ou fazer apologia de crime. Houve, sim, uma clara manifestação artística, que foi alvo de denúncia equivocada, atentado público, censura violenta. O que jamais poderia ter acontecido, se consideramos que ainda estamos no Estado Democrático de Direito. Todavia, cremos que ainda vale a pena desfraldar com altivez a bandeira da liberdade.
Não é segredo para ninguém que o graffiti é parte do movimento hip hop, é sabido também que o hip hop é fruto da luta do negro pobre contra a discriminação e esclarecemos que lutar contra mais essa discriminação é missão que nos é muito grata por tratar-se de uma de nossas bandeiras.
Num país em que a juventude, carente de políticas públicas específicas, é apontada como responsável pelos altos índices de violência, não é possível aceitar que as instituições constituídas (leia-se Ministério Público) trabalhem no sentido de cercear o trabalho de movimentos sociais como é o caso do Movimento Hip Hop e de todas as artes transformadoras.
Por isso o graffiti; por tudo isso a luta. E por isso este manifesto.
Willian Sancler Lopes Chaves
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